MUDAR OS TITULARES DA CORRUPÇAO NÃO É COMBATER A CORRUPÇÃO

Angola é um dos países da África Subsariana com maiores progressos no Índice de Percepção da Corrupção 2021, divulgado pela organização Transparência Internacional. Só falta dizer que Angola está na posição 136 (entre 180), atrás – por exemplo- de Cabo Verde (39ª posição); São Tomé e Príncipe (68ª posição); Timor-Leste (82ª posição).

O Índice de Percepção da Corrupção (IPC), organizado pela organização Transparência Internacional (TI), classifica 180 países e territórios pelos níveis de percepção da corrupção no sector público, numa escala de zero (altamente corrupta) a 100 pontos (limpa da percepção de corrupção).

A média da África Subsariana é de 33 pontos, a mais baixa do mundo, e 44 países classificam-se abaixo dos 50 pontos. Entre os países lusófonos, Portugal surge no índice na 33ª posição com 62 pontos, seguido por Cabo Verde (39ª posição, 58 pontos); São Tomé e Príncipe (68ª posição, 45 pontos); Timor-Leste (82ª posição, 41 pontos); Angola (136ª posição, 29 pontos), Guiné Bissau (162ª posição, 21 pontos) e Guiné Equatorial, que ocorre na 171ª posição, com apenas 17 pontos, e merece algumas considerações particularmente críticas no relatório anual da organização não-governamental (ONG) sediada em Berlim.

Angola – que no IPC 2021 tem 29 pontos, mais 7 pontos desde o índice de 2012 – regista “uma melhoria significativa” na sequência da eleição do Presidente, João Lourenço, em 2017, que tomou medidas significativas para quebrar a corrupção, assinala o relatório da TI, esquecendo-se que o MPLA se limitou a transferir a corrupção de alguns dos seus membros para outros dos seus membros.

“As autoridades têm levado a cabo investigações de corrupção de alto nível a membros da antiga família dominante, entre eles, a filha do ex-presidente e ex-chefe da companhia petrolífera estatal Sonangol, Isabel Dos Santos – exposta pela dossier ‘Luanda Leaks’ e recentemente indicada pelo governo dos EUA por ‘corrupção significativa'”, assinala a Transparência Internacional.

O relatório ressalva, porém, outra circunstância: “As investigações raramente são abertas noutros casos, levantando dúvidas sobre a existência de justiça selectiva”. Pois é. Aqui é que os elogios da AI são um “saralho do carilho”. Com João Lourenço Angola apenas alterou a titularidade da corrupção.

A organização sublinha mesmo que “num inquérito de 2019, 39 por cento dos angolanos disseram que o Presidente estava a utilizar a luta contra a corrupção como um instrumento contra rivais políticos e a maioria disse também que aqueles que denunciaram corrupção correm o risco de retaliação”.

No outro lado do espectro, a Guiné Equatorial estagnou no fundo do IPC com 17 pontos, e o país “continua a ser uma cleptocracia”, acusa o relatório, que ilustra a recente acusação.

O relatório da TI dá relevo à compilação (chamar-lhe investigação é como chamar tubarão a um bagre) do Consórcio Internacional de Jornalistas ditos de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês), cujo projecto “Organized Crime and Corruption Reporting Project” acusou no início do ano Gabriel Mbega Obiang Lima, filho do Presidente Teodoro Obiang e ministro para as Minas e Hidrocarbonetos da Guiné Equatorial, de “desviar para o estrangeiro milhões provenientes de fundos estatais e subornos”.

O texto da Transparência Internacional saúda, por outro lado, a decisão definitiva da justiça francesa, cuja sentença em Julho último determinou o confisco de 150 milhões de euros em bens arrestados em França a outro filho do chefe de Estado da Guiné Equatorial, o vice-presidente ‘Teodorin’ Obiang.

“Foi feita alguma justiça no caso de outro membro da família Obiang”, assinala a Transparência Internacional, num processo judicial em que a organização fez parte do conjunto de entidades queixosas.

O relatório da Transparência Internacional faz uma referência a outro país da lusofonia, o Brasil, na pessoa do seu Presidente, Jair Bolsonaro, que “usou a luta contra a corrupção como bandeira de campanha para atrair um eleitorado desiludido com a política tradicional, cansado da corrupção e a exigir o respeito pelos direitos humanos”.

Porém, “ao contrário das promessas”, não só a TI não regista “progressos na luta contra a corrupção”, como assinala a tomada de “medidas antidemocráticas, violadoras dos direitos e regressivas no combate àquele mal”, de acordo com o texto, que não pormenoriza as mesmas.

Quanto à África Subsariana, em termos gerais, a TI sublinha que, de acordo com os últimos inquéritos do Afrobarómetro, a maioria da população africana acredita que a corrupção está a aumentar, ao mesmo tempo que expressa insatisfação com a forma como a democracia funciona.

“Isto não é surpreendente”, assinala a TI, explicando que “a corrupção persistente tem andado de mãos dadas com mudanças inconstitucionais de poder em várias partes do continente”.

Noutro domínio, também nesta região do mundo os governos impuseram restrições desproporcionadas às liberdades civis em muitos países – muitas vezes sob o pretexto de conter a expansão da pandemia de Covid-19.

“Os resultados do IPC 2021 devem servir como um alerta para as sociedades de toda a África Subsariana. A magnitude dos desafios da corrupção exige as respostas mais arrojadas de sempre”, defende a TI.

“Os governos devem reconhecer que o progresso sustentável na luta contra a corrupção só pode ser alcançado se forem garantidos os controlos societais e institucionais do poder”, acrescenta.

A pandemia de Covid-19, por outro lado, “não pode ser usada como desculpa para os governos restringirem o direito das pessoas à informação ou à liberdade de expressão”, acrescenta a ONG.

Os líderes de toda a África Subsaariana “devem envidar esforços para acelerar a recuperação de activos” e aumentar novamente a acção global contra os fluxos financeiros ilícitos, ajudando a evitar a fuga de capitais, “para que os recursos naturais e os fundos públicos possam ser utilizados para apoiar as pessoas que vivem na região, não as elites”, sugere a TI.

“Corruptos há muitos, seu palerma!”

Recorde-se que o Presidente de Angola, também presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo desafiou, numa entrevista ao jornal português Expresso, o seu ex-patrono e mentor, José Eduardo dos Santos, a denunciar os corruptos. Para João Lourenço, são esses os traidores da pátria. A resposta, se algum dia vier, deveria situar João Lourenço no escalonamento dos traidores e corruptos que tão bem conhece.

É claro que João Lourenço é, também no contexto angolano mas sobretudo do MPLA, uma figura impoluta, íntegra e honorável que nada tem a ver com traidores ou corruptos. Desde logo porque é um general e um político que chegou a Angola há meia dúzia de dias.

Daí para cá a história deste impoluto, íntegro e honorável general é bem mais conhecida. Importa, contudo, reter a comprovação factual de que João Lourenço nunca ouvira falar de corrupção, mesmo sendo ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos desde 2014 e vice-presidente do MPLA.

Está, por isso, acima de qualquer suspeita. Na verdade, como é que alguém que aos 20 anos de idade (1974) entrou para o MPLA e fez toda a sua vida nas fileiras do partido poderia ter notado, constatado, verificado ou comprovado que existia corrupção no seio do MPLA e do Governo? Não podia…

João Lourenço diz esperar que a impunidade “tenha os dias contados” em Angola. Insiste na “moralização” da sociedade angolana. Estará a ser ingénuo, imprudente, suicida, estratega ou traidor? Se calhar, fazendo a simbiose de tudo isto, está apenas a gozar com a nossa chipala e a fazer de todos nós… matumbos.

O Presidente diz ser necessária a “moralização” da sociedade, com um “combate sério” a práticas que “lesam o interesse público” para garantir que a impunidade “tenha os dias contados”.

É verdade. Mas é verdade há muitos anos e a responsabilidade é do MPLA, partido no qual João Lourenço “nasceu”, cresceu, foi e é dirigente. Então, durante todos esses anos, o que fez João Lourenço para combater as práticas que “lesam o interesse público”?

“No quadro da necessidade de moralização da nossa sociedade, importa que levemos a cabo um combate sério contra certas práticas, levadas a cabo quer por gestores quer por funcionários públicos. Práticas que, em princípio, lesam o interesse público, o interesse do Estado, o interesse dos cidadãos que recorrem aos serviços públicos”, disse João Lourenço.

Sendo uma verdade de La Palice, como tantas outras que constituem o ADN do partido do qual é presidente, é caso para perguntar se só agora é que João Lourenço descobriu a pólvora?

Ou será que só agora é que João Lourenço descobriu que Angola é um dos países mais corruptos do mundo? Que é um dos líderes mundiais da mortalidade infantil? Que tem 20 milhões de pobres?

“Esperamos que a tão falada impunidade nos serviços públicos tenha os dias contados. Não é num dia, naturalmente, que vamos pôr fim a essa mesma impunidade, mas contem com a ajuda de todos e acreditamos que, paulatinamente, vamos, passo a passo, caminhar para a redução e posteriormente a eliminação da chamada impunidade”, diz João Lourenço.

Desde que tomou posse, a 26 de Setembro de 2017, na sequência das “eleições” de 23 de Agosto, João Lourenço exonerou diversas administrações de empresas estatais, dos sectores de diamantes, minerais, petróleos, comunicação social, banca comercial pública e Banco Nacional de Angola, anteriormente nomeadas por José Eduardo dos Santos.

Quando João Lourenço garantiu em Luanda que o MPLA iria lutar contra a corrupção, má gestão do erário público e o tráfico de influências… poucos acreditaram. Hoje há mais gente a acreditar? Há, é verdade. Mas as dúvidas continuam a ser mais do que as certezas.

João Lourenço discursava – recorde-se – no acto de apresentação pública do Programa de Governo 2017-2022 do MPLA e do seu Manifesto Eleitoral, mostrando a convicção de que – mais uma vez – os angolanos iriam votar com a barriga (vazia) e que havendo 20 milhões de pobres… a vitória seria certa. E foi. E continuará a ser.

“Para a efectiva implementação deste programa temos de ter os homens certos nos lugares certos”, referiu João Lourenço, efusivamente aplaudido pelos militantes presentes formatados e pagos para aplaudir seja o que for que o soba João Lourenço diga, tal como acontecia com Eduardo dos Santos.

Ainda de acordo com João Lourenço o MPLA iria “promover e estimular a competência, a honestidade e entrega ao trabalho e desencorajar o ‘amiguismo’ e compadrio no trabalho”.

“Vamos contar com aqueles que estão verdadeiramente dispostos a melhorar o que está bem e a corrigir o que está mal”, disse João Lourenço.

João Lourenço admite que o “MPLA tem consciência de que muito ainda há a fazer e que nem tudo o que foi projectado foi realizado como previsto”. Por outras palavras, se ao fim de 46 anos de poder, 20 de paz total, o MPLA só conseguiu trabalhar para que os poucos que têm milhões passassem a ter mais milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada, talvez seja preciso manter o regime do MPLA mais 54 anos no poder.

“Contudo, o país tem rumo e estamos no caminho certo, no sentido da satisfação progressiva das aspirações e dos anseios mais profundos do povo angolano”, disse João Lourenço.

Segundo João Lourenço, para que todos os angolanos beneficiem cada vez mais das riquezas do país, o MPLA tem como foco no seu programa de governação para os próximos anos dar continuidade ao seu programa de combate à pobreza e à fome, bem como o aumento da qualidade de vida do povo.

Folha 8 com Lusa

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